novembro 06, 2007

Façamos de conta

Façamos de conta que foi só um vento, desses que cortam a pele no inverno ou anunciam tempestades no verão. Façamos de conta e esqueçamos, pensemos que talvez tenha sido só um sonho e que este sonho tenha sido afugentado com a primeira espreguiçada, ainda na cama quente. Deixemos que o tempo aos poucos soterre essa lembrança e que a coloque em seu devido lugar, em alguma das gavetas do arquivo, friazinha e acomodada com cuidado atrás de uma papeleta com seu nome-data-grau de importância.

Vamos ver quantos anos a lembrança perdurará antes de se desfazer em centenas de pedacinhos amarelentos; veremos se haverá alguém ainda interessado em dar uma olhada nela, em trazê-la para fora dos arquivos, espanar o pó e afugentar as traças, botá-la na janela para tomar um pouco de sol. Veremos se vai envelhecer, se vai perder a cor, murchar como uma rosa no meio de um livro. Prestemos atenção para o que acontece com essa lembrança: se reluz um pouquinho, se vibra para depois cair no chão abandonada, ou se apenas fica quieta esperando sua hora passar.

Façamos de conta que nada disso foi verdade e que a lembrança é somente a asa esquerda de um engano feliz. Desse modo podemos seguir incólumes, os olhos secos e um sorriso rasgado nos lábios, em frente, ignorando qualquer dor que porventura nasça, porque a dor é a asa direita. Fechemos as gavetas. Só as abriremos na próxima primavera.

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